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Concepção visual: considerações sobre forma e conteúdo
“A imagem constitui o elemento de base da linguagem cinematográfica”. (A linguagem cinematográfica, Marcel Martin)4.
Como transformar em imagem visível algo que habita o mundo das idéias, da imaginação? Que meios podem ser utilizados para simular um mundo que já não existe mais ou que nunca existiu?
O uso que se faz atualmente da palavra design5 subentende não só o desenho ou planejamento, mas também o conceito presente no produto final. É comum observarmos nos meios de comunicação, sobretudo na propaganda, expressões tais como “este automóvel possui um design avançado, aerodinâmico”, ou “móveis feitos com um design moderno e arrojado para combinarem com o seu estilo”. Esta palavra é também tradicionalmente usada na indústria e no comércio para se referir a certas profissões, tais como, designer de jóias, designer gráfico, webdesigner, e assim por diante. Mais do que o desenho de projeto em si, a palavra design traz embutido no seu significado um conceito que pode ser percebido no produto resultante. Podemos dar, como um exemplo disso, algo bem próximo de nós: a cadeira. O designer de produtos projeta uma cadeira através de um desenho, levando em consideração questões de conforto, segurança, funcionalidade, beleza,
4 Cf. MARTIN, 1990, p.21
5, s. m. (termo inglês) Desenho industrial; criação de um projeto, programação visual. BUENO,
1996, p.202.
Concepção visual: considerações sobre forma e conteúdo
“A imagem constitui o elemento de base da linguagem cinematográfica”. (A linguagem cinematográfica, Marcel Martin)4.
Como transformar em imagem visível algo que habita o mundo das idéias, da imaginação? Que meios podem ser utilizados para simular um mundo que já não existe mais ou que nunca existiu?
O uso que se faz atualmente da palavra design5 subentende não só o desenho ou planejamento, mas também o conceito presente no produto final. É comum observarmos nos meios de comunicação, sobretudo na propaganda, expressões tais como “este automóvel possui um design avançado, aerodinâmico”, ou “móveis feitos com um design moderno e arrojado para combinarem com o seu estilo”. Esta palavra é também tradicionalmente usada na indústria e no comércio para se referir a certas profissões, tais como, designer de jóias, designer gráfico, webdesigner, e assim por diante. Mais do que o desenho de projeto em si, a palavra design traz embutido no seu significado um conceito que pode ser percebido no produto resultante. Podemos dar, como um exemplo disso, algo bem próximo de nós: a cadeira. O designer de produtos projeta uma cadeira através de um desenho, levando em consideração questões de conforto, segurança, funcionalidade, beleza,
4 Cf. MARTIN, 1990, p.21
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viabilidade de produção etc. De forma que, após ter sido fabricada, a cadeira
agrade ao cliente por cumprir seu papel: o de comportar o peso e as
preferências de quem nela se senta e o de não desabar. Portanto o design de
produto irá designar a concepção visual da cadeira acrescida de elementos
estéticos e funcionais. Ela tem que ser fisicamente possível de ser construída,
e construída para funcionar e perdurar na sua função.
Mas, o que acontece quando a cadeira é destinada a fazer parte do cenário de um filme? Quais questões deverão ser levadas em consideração durante o processo de concepção visual de uma cadeira que não foi encomendada para a indústria de móveis e sim para a indústria cinematográfica? Cidades cenográficas muitas vezes são compostas apenas por fachadas. O termo cenográfico às vezes é empregado no sentido de faz de conta. Uma cadeira projetada para um universo fantástico não terá necessariamente a obrigação de ser possível no plano físico. Nem tampouco a necessidade de ser confortável dependendo de sua função dentro da narrativa. Se a intenção é ressaltar justamente um estado de desconforto, uma cadeira de aspecto rígido e tortuoso pode vir a ser uma excelente alternativa. Nos filmes, uma cadeira pode passar a ter significações e utilizações bem diversas do habitual. Os personagens poderão usá-la para quebrar vidraças ou quebrá- la nas costas de alguém; para compor com ela a coreografia de uma dança; podem usá-la para voar ou viajar no tempo; e assim por diante.
Uma curiosa consideração: por quê as cadeiras elétricas que aparecem em filmes policiais ou até mesmo de terror, não são estofadas assim como poltronas revestidas por veludo vermelho e adornos dourados? Seria uma sarcástica demonstração de piedade para com alguém prestes a morrer
Mas, o que acontece quando a cadeira é destinada a fazer parte do cenário de um filme? Quais questões deverão ser levadas em consideração durante o processo de concepção visual de uma cadeira que não foi encomendada para a indústria de móveis e sim para a indústria cinematográfica? Cidades cenográficas muitas vezes são compostas apenas por fachadas. O termo cenográfico às vezes é empregado no sentido de faz de conta. Uma cadeira projetada para um universo fantástico não terá necessariamente a obrigação de ser possível no plano físico. Nem tampouco a necessidade de ser confortável dependendo de sua função dentro da narrativa. Se a intenção é ressaltar justamente um estado de desconforto, uma cadeira de aspecto rígido e tortuoso pode vir a ser uma excelente alternativa. Nos filmes, uma cadeira pode passar a ter significações e utilizações bem diversas do habitual. Os personagens poderão usá-la para quebrar vidraças ou quebrá- la nas costas de alguém; para compor com ela a coreografia de uma dança; podem usá-la para voar ou viajar no tempo; e assim por diante.
Uma curiosa consideração: por quê as cadeiras elétricas que aparecem em filmes policiais ou até mesmo de terror, não são estofadas assim como poltronas revestidas por veludo vermelho e adornos dourados? Seria uma sarcástica demonstração de piedade para com alguém prestes a morrer
eletrocutado? Ou este simples detalhe mudaria completamente o tom do filme
para humor negro? Estofamentos trazem em sua aparência a idéia de conforto
ou luxo, algo distante do conceito de pena de morte.
Portanto, salvo os casos em que a intenção é causar estranheza, o tratamento visual dado ao objeto deve interagir com os outros elementos do filme, bem como com a finalidade da narrativa; caso contrário, ele irá destoar do restante a ponto de ser considerado erro. Tudo dependerá das restrições feitas pela história ou pelo roteiro, definindo em quais circunstâncias será mais bem utilizada determinada forma de representação dos elementos que irão compor o visual do filme.
Para o filme X-MEN (Brian Singer, 2000) foram projetados dois modelos de cadeira de rodas. Uma motorizada na qual o requintado personagem Prof. Xavier fica sentado durante quase toda a história e cujo encosto sofreu modificações durante o processo de produção em função dos enquadramentos, a fim de não ocultar a cabeça do personagem nos casos em que ele aparece de costas. A outra, em acrílico, para a cena da visita que o Prof. Xavier faz a Magneto em sua prisão de plástico onde não podia haver metal de espécie alguma (para isolar os poderes magnéticos do vilão). Curiosamente, o figurino do personagem do Professor Xavier também teve de ser adaptado. Seus ternos e colete eram bem mais longos do que o normal para não terem a aparência de amarrotados enquanto ele estivesse sentado. Isso só era percebido nos intervalos de filmagem quando o ator Patrick Stewart se levantava e caminhava pelo set com um terno não muito elegante6.
[cdC: CONCEPÇÕES/Xmen2/figurino/xmen388.jpg a xmen400.jpg]
Portanto, salvo os casos em que a intenção é causar estranheza, o tratamento visual dado ao objeto deve interagir com os outros elementos do filme, bem como com a finalidade da narrativa; caso contrário, ele irá destoar do restante a ponto de ser considerado erro. Tudo dependerá das restrições feitas pela história ou pelo roteiro, definindo em quais circunstâncias será mais bem utilizada determinada forma de representação dos elementos que irão compor o visual do filme.
Para o filme X-MEN (Brian Singer, 2000) foram projetados dois modelos de cadeira de rodas. Uma motorizada na qual o requintado personagem Prof. Xavier fica sentado durante quase toda a história e cujo encosto sofreu modificações durante o processo de produção em função dos enquadramentos, a fim de não ocultar a cabeça do personagem nos casos em que ele aparece de costas. A outra, em acrílico, para a cena da visita que o Prof. Xavier faz a Magneto em sua prisão de plástico onde não podia haver metal de espécie alguma (para isolar os poderes magnéticos do vilão). Curiosamente, o figurino do personagem do Professor Xavier também teve de ser adaptado. Seus ternos e colete eram bem mais longos do que o normal para não terem a aparência de amarrotados enquanto ele estivesse sentado. Isso só era percebido nos intervalos de filmagem quando o ator Patrick Stewart se levantava e caminhava pelo set com um terno não muito elegante6.
[cdC: CONCEPÇÕES/Xmen2/figurino/xmen388.jpg a xmen400.jpg]
6 Cf. Informações extras (making of) X-MEN 1.5, X-treme edition do filme original, 2 DVDs.
Em X-MEN 2 (Brian Singer, 2003) surge um terceiro modelo de cadeira de
rodas especialmente projetada para o personagem Jason, um mutante usado
como cobaia que fica em estado vegetativo. Restam-lhe apenas os poderes
telepáticos que são manipulados pelo vilão através de líquidos injetados em
sua espinha dorsal. Por isso a cadeira de rodas de Jason possui um aspecto
tenebroso, com cilindros e mangueiras conectadas ao pescoço. Devido a sua
aparência decadente, a sensação que se tem é que Jason, subjugado,
depende da cadeira não só para ser transportado, mas para ser mantido vivo e
sob controle. A discrepância entre os modelos de cadeiras projetadas segundo
o perfil dos personagens pode ser observada na cena em que Prof. Xavier e
Jason ficam frente a frente7.
[cdC: CONCEPÇÕES/XMEN/cadeira/jason063.jpg a jason067.jpg]
Com base nesses exemplos, conclui-se que há mais coisas envolvidas no processo de definição de um conceito e sua imagem resultante do que apenas a estética do filme. A escolha das imagens, seu aspecto e a maneira como são apresentadas está diretamente relacionado ao conceito literário do filme, acentuando-lhe ou atenuando-lhe características. Isto significa que, dentro da narrativa ficcional, é possível deturpar as imagens e seus significados convencionais no intuito de realçar uma idéia através da ironia, criando elementos inusitados com os quais não nos deparamos no cotidiano. A utilização desse recurso pode ser facilmente percebida num filme como Maus Hábitos (Pedro Almodóvar, 1983), no qual aparecem freiras vestidas com os típicos hábitos de monjas mas fazendo uso de ácido, cocaína e drogas
[cdC: CONCEPÇÕES/XMEN/cadeira/jason063.jpg a jason067.jpg]
Com base nesses exemplos, conclui-se que há mais coisas envolvidas no processo de definição de um conceito e sua imagem resultante do que apenas a estética do filme. A escolha das imagens, seu aspecto e a maneira como são apresentadas está diretamente relacionado ao conceito literário do filme, acentuando-lhe ou atenuando-lhe características. Isto significa que, dentro da narrativa ficcional, é possível deturpar as imagens e seus significados convencionais no intuito de realçar uma idéia através da ironia, criando elementos inusitados com os quais não nos deparamos no cotidiano. A utilização desse recurso pode ser facilmente percebida num filme como Maus Hábitos (Pedro Almodóvar, 1983), no qual aparecem freiras vestidas com os típicos hábitos de monjas mas fazendo uso de ácido, cocaína e drogas
7 Cf. DVD X-MEN 2, edição especial, 2 DVDs.
8 Observação feita com base na disciplina do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG “A narrativa
cinematográfica na obra de Billy Wilder”, ministrada pela Profa. Dra. Ana Lúcia Andrade em outubro de
2004.
injetáveis. Uma das freiras cria um tigre no quintal do convento. A madre
superiora tem a parede de sua sala coberta por fotos de mulheres “pecadoras”,
num ambiente misto de sagrado e profano.
[cdM – Trechos Selecionados/EntreTinieblas.mpeg]
Há que se acrescentar, porém, a seguinte observação: um filme visualmente bem feito não é necessariamente um bom filme, pois se espera que forma e conteúdo estejam em harmonia8. Um filme mal feito pode comprometer o enredo dificultando a compreensão da história. O cinema de ficção possui ainda um potencial de manipulação da imagem que pode se tornar um meio perigoso para a propagação de mensagens subliminares.
[cdM – Trechos Selecionados/EntreTinieblas.mpeg]
Há que se acrescentar, porém, a seguinte observação: um filme visualmente bem feito não é necessariamente um bom filme, pois se espera que forma e conteúdo estejam em harmonia8. Um filme mal feito pode comprometer o enredo dificultando a compreensão da história. O cinema de ficção possui ainda um potencial de manipulação da imagem que pode se tornar um meio perigoso para a propagação de mensagens subliminares.
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