terça-feira, 18 de dezembro de 2012









































Dissertação PDF:




3.1 Potencial dos principais elementos do filme que pode ser explorado visualmente.

O quadro abaixo refere às partes do filme que podem ser exploradas visualmente e seus respectivos elementos componentes da imagem. Tais partes são os créditos iniciais e finais24 e o corpo do filme. Através de texto e figura, na parte dos créditos há a possibilidade de: apresentar os personagens descriminando seus respectivos intérpretes; fazer uma introdução dos personagens e da ambientação; encerrar destacando erros de gravação ou revelando os atores que interpretaram os papéis principais etc. Quanto ao corpo do filme, que abrange a narrativa da história, os elementos a serem concebidos para compor o seu visual é que exigem especial atenção durante o planejamento, observando-se suas características gerais e específicas.



24 Alguns filmes optam por ter seus créditos exibidos apenas no final. 


Faz parte do processo de concepção visual a definição dos seguintes elementos participantes da imagem e do universo fílmicos:


*Nas produções em live-action há um departamento exclusivo para cuidar da criação e confecção do figurino. Nas produções que envolvem a criação de personagens sintéticos raramente se cria o figurino dissociado do personagem.

Para a realização do Design Cinematográfico, o Design de Produção e a Direção de Arte, que são cargos de direção do Departamento de Arte, estão encarregadas de gerenciar os seguintes recursos:

Design de créditos, iniciais e finais;
Através do Design de conceito são confeccionados o storyboard e o
design de: personagens, figurinos, cenários e objetos de cena. 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012



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Design Cinematográfico: considerações gerais 

Para filmes de longa-metragem / ficção

Na intenção de explicitar o ponto de vista do qual o tema está sendo abordado, traçamos um paralelo entre as formas de design industrial19 mais comuns e de design cinematográfico praticado pelos departamentos de arte no cinema de um modo geral. 

Obtemos, então o seguinte quadro:



A palavra design, no caso da distinção descrita no quadro acima, pede um complemento que defina seu objetivo final. Cada tipo de design, seja ele industrial ou cinematográfico, possui objetivos distintos, peculiares à área em que atuam. Sendo assim da mesma forma que temos no design industrial o design gráfico, o design de produto, o design de moda, o design de interiores e

19 Desenho Industrial - [1] Ciência e arte que abrange o projeto e o desenvolvimento de embalagens com ênfase nas suas características estéticas, práticas, funcionais etc., incluindo a escolha dos materiais e meios de produção. [2] Atividade técnica ou artística que se ocupa da concepção da forma de objetos tridimensionais (desenho de produto) e bidimensionais (programação visual) com vistas na produção industrial. ROSSI FILHO, 2001. 


de edificações etc, teremos também no design cinematográfico o design de créditos, a arte gráfica de cena, o design de objetos de cena, o design de figurino, o design de cenários etc. No cinema, a junção destes elementos faz com que conceito literário e resultado fílmico auxiliem a construção da narrativa através de imagens.

No decorrer dessa pesquisa, o emprego da palavra design estará se referindo a projeto, planejamento num sentido mais amplo. A palavra desenho, quando num contexto geral, estará se referindo às representações gráficas e plásticas (grafite, lápis, aquarela, pintura a óleo, pintura digital, acrílica, etc). Num contexto específico, desenho se refere à representação através de linhas (grafite, lápis, esferográfica). Dependendo do contexto, por vezes quase não há distinção entre estes termos, pois é comum a utilização da palavra desenho como se fosse a forma traduzida de design, por exemplo, desenho de produção ou design de produção; desenho industrial ou design industrial20.

Visto que em grandes produções o design cinematográfico é composto por atividades variadas comumente exercidas por uma equipe ampla, normalmente não se nomeia um único indivíduo como sendo designer cinematográfico, a não ser que, no âmbito de uma produção de baixo orçamento, o profissional tenha desenvolvido sozinho todas as funções relacionadas a cada etapa do processo de concepção visual. Para tanto já existem nomenclaturas específicas tais como desenhista de produção, diretor de arte, desenhista de conceito etc., onde cada qual exerce uma função

20 -" verb" to invent and prepare a plan of (something) before it is built or made: A famous architect designed this building (projetar) -" noun"; 1 a sketch or plan produced before something is made: a design for a dress. (desenho); 2 style; the way in which something has been made or put together. It is very modern in design, I don't like the design of that building (design); 3 a pattern etc. the curtains have a flower design on them. (padrão); 4 a plan formed in the mind (an) intention: our holidays coincided by design and not by accident (propósito). PASSWORD K Dictionaries, 2001.
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complementar à outra. Há casos em que o próprio diretor executa os primeiros esboços que servirão de referência para que o departamento de arte possa desenvolver e aperfeiçoar as sugestões de concepção visual, nem por isso eles aparecem nos créditos como “designers cinematográficos” mesmo tendo exercido uma pequena etapa dessa função. Exemplo disso são uns dos esboços realizados por diretores como Alfred Hitchcock e Tim Burton para indicar suas intenções que seriam posteriormente desenvolvidas pelos desenhistas de conceito, para a pré produção dos filmes Um corpo que cai e O estranho mundo de Jack, respectivamente:




A utilização do desenho como forma de comunicação entre o diretor e sua equipe, além da linguagem verbal e escrita, era uma constante no processo criativo de Frederico Fellini23 que costumava esboçar suas idéias como no exemplo a seguir:



Mas assim como um texto escrito de maneira legível comunica idéias com eficiência, também um desenho que possua clareza de informações supre tais necessidades. Daí a relevância de se utilizar, em adição, os serviços de um desenhista profissional.
Há, no entanto, casos peculiares em que é possível estabelecer de forma direta não só o aspecto visual do filme no sentido de pré-produção, mas também o acabamento, enquadramento, fotografia, planejamento do movimento de câmera, composição e combinação entre elementos de cena, personagens e cenários: tal como um programador visual planeja e controla a execução de um projeto gráfico. Exemplo disso é a animação de recortes na qual o designer produz arquivos que correspondem ao projeto a ser animado. Nesse caso é possível desenhar, compor o posicionamento dos elementos de cena e fazer o planejamento da movimentação desses elementos ao longo das cenas. Ainda que tudo seja animado, editado e os efeitos aplicados por outro profissional, o trabalho de design cinematográfico pode ser feito por um único desenhista, mantendo características originais, concedendo-lhe o crédito de designer cinematográfico. Tal função é muito comum na produção de curtas, de vinhetas, de aberturas, de trailers e teasers em técnicas diversas.

[DVD Teasers Trilogia do caos] ou [cdM – Teasers Trilogia do Caos]




21 Cf. ETTEDGUI, Production design & art direction, 1999, p. 14.

22 Cf. TOMPSON, Tim Burton’s Nightmare before Christmas: the film, the art, the vision, 1994, p. 18. 23 FELLINI, Federico; PETTIGREW, Damien. Eu sou um grande mentiroso, 1995. 




2.1 O potencial de manipulação da imagem. 9

Uma “coisa” filmada não é a “coisa” em si mesma, é uma representação daquela coisa. Atribui-se normalmente aos documentários a característica intrínseca de representação da realidade no sentido de ser um meio de reprodução dos contornos materiais concretos da realidade, de caráter objetivo10. Quanto ao desenho animado, não há nada mais ficcional que criar imagens a partir do “nada”, apenas a partir de uma referência. Daí, a facilidade em associá-lo à ficção, considerando ser o seu referencial a pura imaginação, de caráter subjetivo.
O registro da essência dos fatos (não o objeto em si, mas sua significação) pode se dar tanto pelo cinema de animação quanto pelo documentário e em ambos os casos, a autenticidade ou veracidade do conteúdo apresentado pode ser questionado, independente de sua objetividade ou subjetividade o que cria a necessidade de buscar informações exteriores ao filme.
Em cinema, a escolha de quando e como o objeto será filmado é uma questão de ponto de vista. Sob este aspecto, o cinema é mais uma forma de expressão que um meio de reprodução. Técnicas de montagem permitem o controle da imagem a ser exibida e, por sua vez, a manipulação emocional da realidade. Por mais que a imagem comprove que havia algo em frente à câmera no momento da exposição, a escolha do ângulo, enquadramento, iluminação etc., representam um ponto de vista específico dentre vários outros


9 Texto produzido a partir da disciplina do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG “O cinema de animação e o documentário na experiência do National Film Board do Canadá” ministrada pelo Prof. Dr. Heitor Capuzzo Filho, em setembro de 2004.
10 Cf. TADDEI, Leitura estrutural do filme, 1981, p. 16-25 



possíveis. A própria composição em seqüência do conjunto dessas imagens, pode transmitir idéias opostas, de acordo com a maneira como elas se organizam. É possível extrair do mesmo conteúdo significações pejorativas ou positivistas, dependendo do contexto em que se insere na narrativa tal conteúdo.
A ilusão de movimento no cinema de animação, mais do que reproduzido, precisa ser sinteticamente inventado frame a frame. Num sentido radical, as imagens live-action também são estruturadas na película através da seqüência de fotogramas, por isso, quando alguns frames são retirados, a imagem reproduzida deixa de coincidir com sua referência material.
Se a reprodução pura e simples não garante nenhuma autenticidade histórica, nesta perspectiva, a reprodução torna-se um meio de representação, não da coisa em si mesma, mas da idéia ou essência da coisa, segundo o olhar do autor. A imagem da “realidade” pode ser forjada, sem por isso estar longe de seu significado essencial. Exemplo: Tendo por objetivo filmar o cotidiano dos esquimós (sem restringir um grupo ou individuo específicos), pode-se pedir a um deles que “finja” estar pescando e depois filmá-lo já com sua presa em mãos. Este é um recurso de registro da realidade. Seria mais complexo obter o controle no momento exato em que o esquimó conseguiria capturar sua presa. Embora tudo tenha sido encenado, a representação de uma faceta da vida dos esquimós com possibilidades de leitura poética, não foi deixada de lado. Do mesmo modo, quando a animação se torna um meio de reprodução sintética da realidade, tendo-a como referência, ela pode se manter fiel à idéia de uma forma poética (a poética evidencia a presença de um autor por trás da montagem). O mesmo episódio da vida dos esquimós poderia ser

representado através do cinema de animação. O que estaria sendo reproduzido seria uma faceta da vida dos esquimós e não da vida (retrato fiel) de um determinado esquimó ou grupo específico de esquimós. Daí o caráter ilustrativo que ambas as formas de representação adquirem.
Alguns filmes documentários podem apresentar certos pontos em comum, tais como, conteúdo poético e caráter ilustrativo11, ou seja, a representação (não reprodução) de uma referência real através de imagens cujo conteúdo pode ser manipulado emocionalmente tanto através da montagem e encenação, quanto através da animação. Exemplificando, podemos citar o desenho animado feito pelos estúdios Walt Disney, sob a encomenda do exército americano12. O filme inicia contando a história da aviação até chegar num ponto em que, através de gráficos, setas e mapas, sintetiza a idéia das estratégias de guerra que deveriam ser usadas contra a Alemanha Nazista em função de sua localização geográfica privilegiada: Hitler tinha a vantagem de repor rapidamente seu pelotão de guerra em curtas distâncias e por terra. Esse desenho animado apresenta de forma didática as vantagens do ataque aéreo efetuado pelas forças armadas americanas sempre usando uma estética atraente e positivista para elevar o moral e a confiança na vitória contra as forças do Eixo.
Nota-se que um dos fatores que abalam a crença na autenticidade do conteúdo apresentado cinematograficamente, é a artificialidade presente na

11 : esclarecedor, elucidativo; Ilustração: ato ou efeito de ilustrar (explicar); conjunto de conhecimentos; saber [...]. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Obs.: Ainda há casos de discrepância entre ilustração didática e literária. A estética da ilustração literária e a linguagem da ilustração didática se aproximam muito do cinema de animação tanto clássico como experimental. Questões mercadológicas editoriais restringem o uso do termo quando para fins de análise estética e conceitual.
12 Conforme animação exibida e comentada por CAPUZZO. Cf. nota 6. 

atuação frente às câmeras. Embora seja possível simular a ‘realidade’, o contrário também ocorre. Crê-se na síntese de determinado assunto pela técnica ilustrativa empregada em sua apresentação, considerando-a correspondente legítima da realidade13. Sendo assim filmar uma encenação representativa de um episódio, ou fazê-lo através da animação abre caminho para formas diferentes de se fazer a mesma coisa: manipular o significado da imagem aproveitando-se deste paradoxo comunicacional entre imagem objetiva/subjetiva, referencial/ficcional.
Um aspecto preocupante que tanto o documentário quanto o cinema de ficção possuem, é o potencial de manipulação sutil da imagem de maneira negativa. Do ponto de vista da produção, é possível fazer com que algo terrível pareça normal aos olhos ingênuos de um determinado público alvo. Também é possível destruir valores éticos e humanistas deturpando-lhes o significado. O caráter ambíguo da imagem cria duas possibilidades no cinema: ajudar a destruir ou salvaguardar um conceito, independente do fato de o conceito ser bom ou ruim. Sempre houve quem se aproveitasse disso através do simbolismo negativo, fazendo uso de imagens que já carregam em si significados polêmicos. Ou da banalização do significado ao utilizar imagens consideras oficiais ou sagradas de forma debochada.
Nos anos 1930 e 1940, a Alemanha nazista utilizou amplamente do cinema como meio de propaganda e de manipulação de massas; e chegou a fazer os primeiros testes para utilizar o meio de comunicação televisivo em rede nacional, prevendo seu longo alcance em prol de seus interesses

13 Observação baseada na palestra “Documentário: subjetividade versus objetividade” ofertada pela pós- graduação do departamento de comunicação social da FAFICH/UFMG, ministrada pelo Prof. Dr. José Francisco Serafim, da faculdade de comunicação da UFBA, no dia 05 de abril de 2004.

propagandistas. Durante a Segunda Guerra, após o ataque a Pearl Harbour, que retirou os EUA de sua política isolacionista de não envolvimento na conflagração européia, tornada mundial, não poupando as Américas, o cinema norte-americano foi chamado pelo governo a colaborar no esforço de guerra. O exército contratou os melhores profissionais do cinema para participarem da guerra de propaganda contra o Eixo, encomendando-lhes filmes e desenhos animados que transmitissem a idéia de que era preciso revidar ao ataque e de que a “guerra é um mal necessário”; os animadores deveriam criar uma imagem pejorativa e debochada dos inimigos a fim de elevar a moral dos convocados a lutar no front e convencer a opinião pública nacional de que a vitória seria mais fácil do que se imaginava. Era necessário deter Hitler e impedir o domínio nazista do mundo; contudo, o conteúdo dessas propagandas animadas vem sendo questionada, fora do contexto da guerra, enquanto política de manipulação de massas.
Os propagandistas nazistas e, em reação, também os propagandistas antinazistas basearam seu imaginário em estigmas que perduram até hoje causando prejuízo à vida individual e coletiva. Tanto nos filmes nazistas, quanto nos filmes antinazistas, os soldados eram representados com glamour, como heróis de guerra premiados com fama, dinheiro e mulheres, quando na realidade poucos retornavam inteiros e com vida das frentes de batalha.
A coletânea de curtas-metragens Cartoon Scandals14, que inclui desenhos produzidos e exibidos nas décadas de 1930 e 1940, atualmente banidos da tv, mostravam os ataques terroristas de Superman15 ao exército

14 Cartoon Scandals, banned from TV: A study of violence, racism, sex, and war in cartoons. Compiled by Sandy Oliveri, 1987.
15 Superman: ́Eleventh Hour ́ (1942, Dan Gordon) 
http://www.dailymotion.com/video/xe59cz_superman-original-cartoon-the-eleve_creation#.UM-Mr3Pjku4


japonês; cenas de violência em desenhos aparentemente inofensivos; japoneses16 e negros sendo retratados de forma depreciativa17, disseminando preconceitos atualmente observados no comportamento social de certos grupos favoráveis a segregação. É, portanto, necessário refletir sobre esses aspectos da manipulação da imagem durante o processo de concepção da mesma a fim de não perpetuar inadvertidamente pensamentos preconceituosos, inconseqüentes.
Saber fazer uma leitura crítica (e não ingênua) e saber ensinar a ler o filme18 contribui para que tenhamos consciência da amplitude e poder de influência que a imagem em movimento possui. Tanto do ponto de vista de quem assiste quanto do ponto de vista de quem produz cinema.
Embora esteja intimamente relacionado com as questões de forma e conteúdo, o departamento de arte não tem a pretensão de se considerar o único responsável pelo sucesso do filme, pois por estar a serviço da linguagem cinematográfica, há diversos departamentos envolvidos, sob a supervisão do diretor. O que se cria visualmente será editado e outros elementos serão adicionados de forma que o resultado final seja a conjugação de tais elementos, em movimento.
20

16 ́Tokio Jokio ́ (1943, Norm McCable)
17 ́Scrub me Mama with a Boogie Beat ́ (1941, Walter Lantz); All This and Rabbit Stew (1941, Tex Avery).
18 ECO, Sobre os espelhos e outros ensaios, 1989. 




2
Concepção visual: considerações sobre forma e conteúdo


“A imagem constitui o elemento de base da linguagem cinematográfica”. (A linguagem cinematográfica, Marcel Martin)4.

Como transformar em imagem visível algo que habita o mundo das idéias, da imaginação? Que meios podem ser utilizados para simular um mundo que já não existe mais ou que nunca existiu?
O uso que se faz atualmente da palavra design5 subentende não só o desenho ou planejamento, mas também o conceito presente no produto final. É comum observarmos nos meios de comunicação, sobretudo na propaganda, expressões tais como “este automóvel possui um design avançado, aerodinâmico”, ou “móveis feitos com um design moderno e arrojado para combinarem com o seu estilo”. Esta palavra é também tradicionalmente usada na indústria e no comércio para se referir a certas profissões, tais como, designer de jóias, designer gráfico, webdesigner, e assim por diante. Mais do que o desenho de projeto em si, a palavra design traz embutido no seu significado um conceito que pode ser percebido no produto resultante. Podemos dar, como um exemplo disso, algo bem próximo de nós: a cadeira. O designer de produtos projeta uma cadeira através de um desenho, levando em consideração questões de conforto, segurança, funcionalidade, beleza,

4 Cf. MARTIN, 1990, p.21
5 , s. m. (termo inglês) Desenho industrial; criação de um projeto, programação visual. BUENO, 1996, p.202.

viabilidade de produção etc. De forma que, após ter sido fabricada, a cadeira agrade ao cliente por cumprir seu papel: o de comportar o peso e as preferências de quem nela se senta e o de não desabar. Portanto o design de produto irá designar a concepção visual da cadeira acrescida de elementos estéticos e funcionais. Ela tem que ser fisicamente possível de ser construída, e construída para funcionar e perdurar na sua função.

Mas, o que acontece quando a cadeira é destinada a fazer parte do cenário de um filme? Quais questões deverão ser levadas em consideração durante o processo de concepção visual de uma cadeira que não foi encomendada para a indústria de móveis e sim para a indústria cinematográfica? Cidades cenográficas muitas vezes são compostas apenas por fachadas. O termo cenográfico às vezes é empregado no sentido de faz de conta. Uma cadeira projetada para um universo fantástico não terá necessariamente a obrigação de ser possível no plano físico. Nem tampouco a necessidade de ser confortável dependendo de sua função dentro da narrativa. Se a intenção é ressaltar justamente um estado de desconforto, uma cadeira de aspecto rígido e tortuoso pode vir a ser uma excelente alternativa. Nos filmes, uma cadeira pode passar a ter significações e utilizações bem diversas do habitual. Os personagens poderão usá-la para quebrar vidraças ou quebrá- la nas costas de alguém; para compor com ela a coreografia de uma dança; podem usá-la para voar ou viajar no tempo; e assim por diante.
Uma curiosa consideração: por quê as cadeiras elétricas que aparecem em filmes policiais ou até mesmo de terror, não são estofadas assim como poltronas revestidas por veludo vermelho e adornos dourados? Seria uma sarcástica demonstração de piedade para com alguém prestes a morrer 
eletrocutado? Ou este simples detalhe mudaria completamente o tom do filme para humor negro? Estofamentos trazem em sua aparência a idéia de conforto ou luxo, algo distante do conceito de pena de morte.
Portanto, salvo os casos em que a intenção é causar estranheza, o tratamento visual dado ao objeto deve interagir com os outros elementos do filme, bem como com a finalidade da narrativa; caso contrário, ele irá destoar do restante a ponto de ser considerado erro. Tudo dependerá das restrições feitas pela história ou pelo roteiro, definindo em quais circunstâncias será mais bem utilizada determinada forma de representação dos elementos que irão compor o visual do filme.





























Para o filme X-MEN (Brian Singer, 2000) foram projetados dois modelos de cadeira de rodas. Uma motorizada na qual o requintado personagem Prof. Xavier fica sentado durante quase toda a história e cujo encosto sofreu modificações durante o processo de produção em função dos enquadramentos, a fim de não ocultar a cabeça do personagem nos casos em que ele aparece de costas. A outra, em acrílico, para a cena da visita que o Prof. Xavier faz a Magneto em sua prisão de plástico onde não podia haver metal de espécie alguma (para isolar os poderes magnéticos do vilão). Curiosamente, o figurino do personagem do Professor Xavier também teve de ser adaptado. Seus ternos e colete eram bem mais longos do que o normal para não terem a aparência de amarrotados enquanto ele estivesse sentado. Isso só era percebido nos intervalos de filmagem quando o ator Patrick Stewart se levantava e caminhava pelo set com um terno não muito elegante6.

[cdC: CONCEPÇÕES/Xmen2/figurino/xmen388.jpg a xmen400.jpg]













6 Cf. Informações extras (making of) X-MEN 1.5, X-treme edition do filme original, 2 DVDs.
Em X-MEN 2 (Brian Singer, 2003) surge um terceiro modelo de cadeira de rodas especialmente projetada para o personagem Jason, um mutante usado como cobaia que fica em estado vegetativo. Restam-lhe apenas os poderes telepáticos que são manipulados pelo vilão através de líquidos injetados em sua espinha dorsal. Por isso a cadeira de rodas de Jason possui um aspecto tenebroso, com cilindros e mangueiras conectadas ao pescoço. Devido a sua aparência decadente, a sensação que se tem é que Jason, subjugado, depende da cadeira não só para ser transportado, mas para ser mantido vivo e sob controle. A discrepância entre os modelos de cadeiras projetadas segundo o perfil dos personagens pode ser observada na cena em que Prof. Xavier e Jason ficam frente a frente7.

[cdC: CONCEPÇÕES/XMEN/cadeira/jason063.jpg a jason067.jpg]






Com base nesses exemplos, conclui-se que há mais coisas envolvidas no processo de definição de um conceito e sua imagem resultante do que apenas a estética do filme. A escolha das imagens, seu aspecto e a maneira como são apresentadas está diretamente relacionado ao conceito literário do filme, acentuando-lhe ou atenuando-lhe características. Isto significa que, dentro da narrativa ficcional, é possível deturpar as imagens e seus significados convencionais no intuito de realçar uma idéia através da ironia, criando elementos inusitados com os quais não nos deparamos no cotidiano. A utilização desse recurso pode ser facilmente percebida num filme como Maus Hábitos (Pedro Almodóvar, 1983), no qual aparecem freiras vestidas com os típicos hábitos de monjas mas fazendo uso de ácido, cocaína e drogas

7 Cf. DVD X-MEN 2, edição especial, 2 DVDs.

injetáveis. Uma das freiras cria um tigre no quintal do convento. A madre superiora tem a parede de sua sala coberta por fotos de mulheres “pecadoras”, num ambiente misto de sagrado e profano.
[cdM – Trechos Selecionados/EntreTinieblas.mpeg]


Há que se acrescentar, porém, a seguinte observação: um filme visualmente bem feito não é necessariamente um bom filme, pois se espera que forma e conteúdo estejam em harmonia8. Um filme mal feito pode comprometer o enredo dificultando a compreensão da história. O cinema de ficção possui ainda um potencial de manipulação da imagem que pode se tornar um meio perigoso para a propagação de mensagens subliminares.

8 Observação feita com base na disciplina do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG “A narrativa cinematográfica na obra de Billy Wilder”, ministrada pela Profa. Dra. Ana Lúcia Andrade em outubro de 2004.